O Cânon Hebraico (Velho Testamento)
Desde o tempo de Esdras em diante, o judaísmo que gradualmente se desenvolveu atribuiu a maior importância possível à revelação da Torah dada por Deus a Moisés no Sinai, e considerou a história subsequente como de menor importância; dessa maneira a Torah recebeu um lugar de suprema autoridade escriturística dentro da igreja judaica. Parece provável que em cerca de 400-350 a.C, a Torah ou o Pentateuco, como nós o temos agora, foi concluído; mas é mais difícil apurar a que ponto ele foi considerado como tendo obtido autoridade canónica.
O cerne da idéia talvez só possa ser encontrado em data mais remota, em 621 a.C, quando a leitura do Livro da Lei perante o rei Josias (provavelmente os trechos principais do livro de Deuteronômio), causou grande impressão no povo, e novamente em 397 a.C, quando o Livro da Lei de Esdras foi lido com efeito semelhante. Não resta dúvida de que em cerca de 350-300 a.C. o Pentateuco como uma unidade era venerado pelo povo. Mas foi provavelmente durante o período de 300-200 a.C, quando, como já temos visto, ocorreu uma troca gradual de ênfase do Templo para a Torah, que esse conjunto das Escrituras passou a ter cada vez mais o que nós chamamos de autoridade canónica. O livro de Tobias (cerca de 200 a.C.) mostra grande respeito para com a Torah, e Ben Sira (Eclesiástico) escrevendo em 180 a.C, fala sobre a Torah como o supremo dom de Deus e equipara-a à Sabedoria (24.23), indicando que nessa época, de alguma forma, ela era considerada por Ben Sira como verdadeiramente canónica. Assim, por volta do ano 200 a.C, ou algum tempo antes, a religião da Torah estava solidamente fundamentada. A luz desse fato podemos compreender bem a importância atribuída aos rolos do Templo, no Primeiro Livro de Macabeus, onde a implicação é que a Torah deve ser defendida, mesmo que o Templo seja destruído (cf. 1.56 s; 2.26 s,48).
Mais adiante, valiosas informações são dadas por Ben Sira com respeito à formação da segunda divisão do Cânon, conhecida como “Profetas”. Nos capítulos 44 e seguintes, ele apresenta uma lista de homens famosos mencionados nas Escrituras, cujos nomes são organizados de tal maneira e com tantos detalhes, que nos leva à conclusão de que a maior parte do Antigo Testamento, como nós o temos agora, era conhecida por ele naquele tempo. Ele deixa claro que conhecia pelo menos “a Lei” e “os Profetas” e, de fato, se refere aos “Doze Profetas” como uma coleção definida. Um fator que pode ter facilitado a conclusão dessa divisão dos “Profetas”, foi a crença então prevalecente de que desde o tempo de Esdras a atividade profética e a inspiração profética haviam cessado (cf. I Macabeus 4.46; 9.27; 14.41 e Salmos de Macabeus 74.9). Por volta de 250-200 a.C, então, nós podemos dizer que a divisão dos “Profetas” estava concluída. Isso explica por que um livro como Daniel não é encontrado entre os “Profetas” mas entre os “Escritos”, pois Daniel não havia sido escrito até o ano 165 a.C.
Um marco divisório claramente definido ao traçar a idéia do Cânon é fornecido no Prólogo a Ben Sira que foi composto pelo neto desse escritor aproximadamente em 132 a.C. Ele fala sobre a lei e os profetas, e outros que seguiram depois deles, e da “própria lei, e das profecias, e do restante dos livros”. Tais declarações mostram que nessa época outros livros eram considerados como de valor religioso especial e poderiam ser classificados à parte; elas indicam que a divisão tríplice das Escrituras já existia, mas que a terceira seção estava ainda fluida e não tinha ainda adquirido um nome distinto. Essa mesma conclusão é indicada pela evidência de Lucas 24.44, que se refere ao que está escrito “na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”, onde novamente a última seção é deixada indeterminada. O autor de II Esdras (cerca de 90 d.C.) indica que naquela época havia provavelmente vinte e quatro livros nas Escrituras hebraicas (cf. 14.44 ss) e essa é também uma conclusão justificável da evidência do Novo Testamento e de Josephus que, provavelmente por um agrupamento diferente, dá o número como vinte e dois. Nenhuma dessas fontes, entretanto, dá o nome técnico para a terceira seção das Escrituras. A primeira referência às três seções juntas por seus nomes hebraicos é dada pelo Rabino Gamaliel, o mesmo Gamaliel mencionado em Atos 5. Nós podemos chegar à conclusão de que antes dos tempos do Novo Testamento, pelo menos, o Cânon das Escrituras estava virtualmente concluído.
Contudo, por muito tempo ainda a controvérsia a respeito do número de livros continuou. Em particular,' houve dissensão entre a famosa Escola de Hülel e Shammai sobre a posição do Cântico dos Cânticos de Eclesiastes. Uma decisão do Concilio de Jamnia (cerca de 90 d.C) aceitou o dois livros como canónicos, apoiando, assim, a Escola de Hillel. As Escrituras Hebraicas eram então limitadas aos vinte e quatro livros (cinco no Pentateuco, oito nos Profetas e onze nos Escritos) que correspondem aos trinta e nove livros da Versão Autorizada. Mas as opiniões continuaram divididas e a questão do Cânon era ainda um ponto de debate no segundo e terceiros séculos d.C. Não há, então, data definida, de quando foi concluída a coleção dos livros chamados “canónicos”. Pelo contrário, por sua contribuição ao registro da revelação divina e por sua popularidade e uso nos cultos da sinagoga, eles foram estabelecendo gradualmente sua posição dentro do conjunto das Sagradas Escrituras.
Fonte: Between the Testaments: From Malachi to Matthew, de Richard Neitzel Holzapfel.
Veja outros estudos bíblicos relacionados:
Cf. Literatura Apócrifa e os Livros não Canônicos
Cf. Livros Apócrifos Judaicos
Cf. O Cânon do Novo Testamento
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