Antigo Testamento
TEXTO E FORMA
Antigo Testamento é o nome dado, desde os primórdios do
Cristianismo, às escrituras sagradas do povo de Israel, formadas por um
conjunto de livros muito diferentes uns dos outros em caráter e gênero
literário e pertencentes a diversas épocas e autores.
O Antigo Testamento ocupa, sem dúvida, um lugar preeminente no
quadro geral da importante literatura surgida no Antigo Oriente Médio.
No decorrer da sua longa história, egípcios, sumérios, assírios,
babilônicos, fenícios, hititas, persas e outros povos da região
produziram um importante tesouro de obras literárias; porém nenhuma
delas se compara ao Antigo Testamento quanto à riqueza dos temas e beleza de expressão e, muito menos, quanto ao valor religioso.
Os Gêneros Literários do Antigo Testamento
Em termos gerais, todos os escritos do Antigo Testamento podem ser
incluídos em um ou outro dos dois grandes gêneros literários que são a
prosa e a poesia; em tudo, uma segunda aproximação permite apreciar a
grande diversidade de classes e estilos que, muitas vezes misturados
entre si, configuram ambos os gêneros.
Quanto à prosa, é o gênero no qual estão escritos textos como os
seguintes: (a) relatos históricos, presentes sobretudo nos livros de
caráter narrativo e que, a partir de Abraão (Gn 11.27—25.11), referem-se
ou diretamente ao povo de Israel e aos seus personagens mais
significativos ou indiretamente aos povos e nações cuja história está
relacionada muito de perto com Israel; (b) o relato de Gn 1—3 sobre as
origens do mundo e da humanidade, o qual, do ponto de vista literário,
merece referência à parte; (c) passagens especiais (p. ex., a história
dos patriarcas), narrações épicas (p. ex., o êxodo do Egito e a
conquista de Canaã), quadros familiares (p. ex., o livro de Rute),
profecias (em parte), visões, crônicas oficiais, diálogos, discursos,
instruções, exortações e genealogias; (d) textos legais e normas de
conduta e regulamentação da prática religiosa coletiva e pessoal.
Quanto à poesia, o Antigo Testamento oferece vários modelos literários,
que podem ser resumidos em: (a) cúlticos (p. ex., Salmos e Lamentações);
(b) proféticos (uma parte muito importante dos textos dos profetas de
Israel); (c) sapienciais, os quais recolhem reflexões e ensinamentos
relativos à vida diária (Provérbios e Eclesiastes) ou que giram em torno
de algum problema de caráter teológico (Jó).
Autores e Tradição
Mais estudos bíblicos...
De acordo com a sua origem, os livros do Antigo Testamento podem ser
classificados em dois grandes grupos. O primeiro é formado pelos
escritos que deixam transparecer a atividade criadora do autor e parecem
ser marcados pelo selo da sua personalidade. Tal é o caso de boa parte
dos textos proféticos, cuja mensagem inicial foi, às vezes, ampliada,
chegando, posteriormente, ao seu pleno desenvolvimento em âmbitos onde a
inspiração do profeta original se deixava sentir com intensidade.
No segundo grupo são incluídos os livros nos quais, não tendo
permanecido marcas próprias do autor, foram as tradições que se
encarregaram de transmitir a mensagem preservada pelo povo,
proclamando-a e aplicando-a às circunstâncias próprias de cada tempo
novo. A esse grupo pertence uma boa parte da narrativa histórica e da
literatura cúltica e sapiencial.
Transmissão do Texto
A passagem da tradição oral para a escrita chega ao Antigo Testamento
num tempo em que o papiro e o pergaminho já estavam em uso como
materiais de escrita. Deles se faziam longas tiras que, convenientemente
unidas, formavam os chamados “rolos”, uma espécie de cilindros de peso e
volume às vezes consideráveis. Assim, chegaram até nós os textos do
Antigo Testamento (cf. Jr 36), ainda que não nos seus manuscritos
hebraicos originais, porque com o tempo todos desapareceram, mas graças à
grande quantidade de cópias feitas ao longo de muitos séculos. Dentre
elas, as mais antigas que temos pertencem ao séc. I a.C. Foram
descobertas em lugares como Qumran, a oeste do mar Morto, algumas em
muito bom estado de conservação e outras, muito deterioradas e reduzidas
a fragmentos. Das cópias que contêm o texto integral da Bíblia
Hebraica, a mais antiga é o Códice de Alepo, que data do séc. X d.C. e é
o reflexo da tradição tiberiense.
O sistema alfabético utilizado nos primitivos manuscritos hebraicos
carecia de vogais: na sua época e de acordo com um uso comum de diversas
línguas semíticas, somente as consoantes tinham representação gráfica.
Essa peculiaridade era, obviamente, uma fonte de sérios problemas de
leitura e interpretação dos escritos bíblicos, cuja unificação
realizaram os especialistas judeus do final do séc. I d.C.
O trabalho daqueles sábios foi favorecido na última parte do séc. V a.C.
pelo desenvolvimento, sobretudo em Tiberíades e Babilônia, de um
sistema de leitura que culminou entre os séculos VIII e XI d.C. com a
composição do texto chamado “massorético”. Nele, fruto do intenso
trabalho realizado pelos “massoretas” (ou “transmissores da tradição”),
ficou definitivamente fixada a leitura da Bíblia Hebraica através de um
complicado conjunto de sinais vocálicos e entonação.
Apesar do excelente cuidado que os copistas tiveram para fazer e
conservar as cópias do texto bíblico, nem sempre puderam evitar que aqui
e ali fossem introduzidas pequenas variantes na escrita. Por isso, a
fim de descobrir e avaliar tais variantes, o estudo dos antigos
manuscritos implica uma minuciosa tarefa de comparação de textos, não
somente entre umas ou outras cópias hebraicas, mas também em antigas
traduções para outras línguas: o texto samaritano do Pentateuco (escrita
samaritana); as versões gregas, especialmente a LXX (feita em
Alexandria entre os séculos III e II a.C. e utilizada freqüentemente
pelos escritores do Novo Testamento);
as aramaicas (os targumim, versões parafrásticas); as latinas, em
especial a Vulgata; as siríacas, as coptas ou a armênia. Os resultados
desse trabalho de fixação do texto se encontram sintetizados nas edições
críticas da Bíblia Hebraica.
GEOGRAFIA E RELIGIÃO
A Palestina do Antigo Testamento
A região onde se desenrolaram os acontecimentos mais importantes
registrados no Antigo Testamento está situada na zona imediatamente a
leste da bacia do Mediterrâneo. O nome mais antigo dela registrado na Bíblia
é “terra de Canaã” (Gn 11.31), substituído posteriormente, entre os
israelitas, por “terra de Israel” (1Sm 13.19; Ez 11.17; Mt 2.20). Os
gregos e romanos preferiram chamá-la de “Palestina”, termo derivado do
apelativo “filisteu”, pelo qual era conhecido o povo que habitava a
costa do Mediterrâneo. No tempo em que o Império Romano dominou o país, pelo menos uma região deste recebeu o nome de “Judéia”.
Durante a maior parte do período monárquico (931-586 a.C.), a terra de
Israel esteve dividida em duas: ao sul, o reino de Judá, sendo Jerusalém
sua capital; e ao norte, o reino de Israel, tendo a cidade de Samaria
como capital. As grandes diferenças políticas que separavam ambos os
reinos aumentaram ainda mais quando, em 721 a.C., o reino do Norte foi
conquistado pelo exército assírio.
O território palestino é formado por três grandes faixas paralelas que
se estendem do Norte ao Sul. A ocidental, uma planície banhada pelo
Mediterrâneo, estreita-se em direção ao Norte, na Galiléia, e depois
fica cercada pelo monte Carmelo. Nessa planície se encontravam as
antigas cidades de Gaza, Asquelom, Asdode e Jope (atualmente um subúrbio
de Tel Aviv) e a Cesaréia romana, de construção mais recente.
A faixa central é formada por uma série de montanhas que, desde o Norte,
como que se desprendendo da cordilheira do Líbano, descem paralelas
pela costa até penetrar no Sul, no deserto de Neguebe. O vale de Jezreel
(ou de Esdrelom), entre a Galiléia e Samaria, cortava a cadeia
montanhosa, cujas duas alturas máximas estão uma (1.208 m) na Galiléia e
a outra (1.020 m), na Judéia. Nessa faixa central do país, encontra-se a
cidade de Jerusalém (cerca de 800 m acima do nível do mar) e outras
importantes da Judéia, Samaria e Galiléia.
A oriente da região montanhosa serpenteia o rio Jordão, o maior rio da
Palestina, o qual nasce ao norte da Galiléia, no monte Hermom, e caminha
em direção ao sul ao longo de 300 km, (pouco mais de 100 km, em linha
reta). No seu curso, atravessa o lago Merom e depois o mar ou lago da
Galiléia (ou ainda “mar de Tiberíades”) e corre por uma depressão que se
torna cada vez mais profunda, até desembocar no mar Morto, a 392 m
abaixo do nível do Mediterrâneo.
Mais além da depressão do Jordão, no seu lado oriental, o terreno torna a
elevar-se. Sobretudo na região norte há cumes importantes, como, já
fora da Palestina, o monte Hermom, com até 2.758 m de altura.
A Palestina é predominantemente seca, desértica em extensas regiões do
Leste e Sul do país, com montanhas muito pedregosas e poucos espaços com
condições favoráveis para o cultivo. Os terrenos férteis, próprios para
a agricultura, encontram-se, sobretudo, na planície de Jezreel, ao
norte, no vale do Jordão e nas terras baixas que, ao ocidente,
acompanham a costa. As altas temperaturas predominantes se atenuam nas
partes elevadas, onde as noites podem chegar a ser frias. As duas
estações mais importantes são o inverno e o verão (cf. Gn 8.22; Mt
24.20,32), mas, quanto ao clima, o essencial para os trabalhos agrícolas
é a regularidade na chegada das chuvas: as temporãs (entre outubro e
novembro) e as serôdias (entre dezembro e janeiro). Armazena-se, então, a
água em algibes (ou cisternas), para poder tê-la durante os outros
meses do ano.
Valorização Religiosa do Antigo Testamento
No Antigo Testamento, como em toda a Bíblia, é reconhecida, em sua
origem, uma autêntica experiência religiosa. Deus se revelou ao povo de
Israel na realidade da sua história e fez isso como o único Deus,
Criador e Senhor do universo e da história, não se assemelhando a
nenhuma outra experiência humana, nem identificando-se com alguma imagem
feita pelos homens. Deus é o Autor da vida, o Criador da existência de
todos os seres; e é um Deus salvador, que está sempre ao lado do seu
povo, mas que não se deixa manipular por ele; que impõe obrigações
morais e sociais, que não se deixa subornar, que protege os fracos e ama
a justiça. É um Deus que se achega ao povo, especialmente no culto; um
Deus perdoador, que quer que o pecador viva, porém julga com justiça e castiga a maldade.
As idéias e a linguagem do Antigo Testamento transparecem nos escritos do Novo Testamento, em cujo pano de fundo está sempre presente o Deus do Antigo Testamento, o Pai de Jesus Cristo, em quem é revelado, definitivamente, o seu amor e a sua vontade salvadora para todo aquele que o recebe pela fé.
O Antigo Testamento dá especial atenção ao relacionamento de Deus com
Israel, o seu povo escolhido. Um dos mais importantes aspectos desse
relacionamento é a Aliança com Israel, mediante a qual Javé se
compromete a ser o Deus daquele povo que tomou como a sua possessão
particular e dele exige o cumprimento religioso dos mandamentos e das
leis divinas. Assim, a fé comum, as celebrações cúlticas e a observância
da Lei são os elementos que configuram a unidade de Israel, uma unidade
que se rompe quando se torna infiel ao Deus ao qual pertence. A
história de Israel como povo escolhido revela que o mais importante é
manter a sua identidade religiosa em meio ao mundo ao seu redor, passo
necessário que será dado em direção à mensagem universal que depois, em Jesus Cristo, será proclamada pelo Novo Testamento.
Nem todos os aspectos do Antigo Testamento mantêm igual vigência para o
cristão. O Antigo Testamento deve ser interpretado à luz da sua máxima
instância, que é Jesus Cristo. A projeção histórica e profética do povo
de Israel no Antigo Testamento é uma etapa precursora no caminho que
conduz à plena revelação divina em Cristo (Hb 1.1-2). Por outro lado, o
Novo Testamento é o testemunho de fé de que as promessas feitas por Deus
a Israel são cumpridas com a vinda do Messias (cf., p. ex., Mt 1.23; Lc
3.4-6; At 2.16-21; Rm 15.9-12). Por isso, certas instruções
absolutamente válidas para o povo judeu deixam de ser igualmente
vigentes para o novo povo de Deus, que é a Igreja (cf. At 15; Gl
3.23-29; Cl 2.16-17; Hb 7.11—10.18); e alguns aspectos da lei de Moisés,
do culto do Antigo Testamento e da doutrina sobre o destino do ser
humano, pessoal e comunitariamente considerado, devem ser interpretados à
luz do evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus.
Mais estudos bíblicos...
HISTÓRIA E CULTURA
A existência de Israel como povo remonta, provavelmente, ao último
período do séc. XI a.C. Era o tempo do nascimento da monarquia e da
unificação das diversas tribos, que viviam separadas entre si até que,
sob o governo do rei Davi, constituiu-se o Estado nacional, com
Jerusalém por capital.
Até chegar a esse momento, a formação do povo havia sido lenta e
difícil, mesclada freqüentemente com a história das mais antigas
civilizações que floresceram no Egito, às margens do Nilo e na
Mesopotâmia, nas terras regadas pelo Tigre e o Eufrates. As fontes
extrabíblicas da história de Israel naquela época são muito limitadas,
carentes da base documental necessária para se estabelecerem com
precisão as origens do povo hebreu. Nesse aspecto, o livro de Gênesis
proporciona alguns dados de valor inestimável, pois o estudo dos relatos
patriarcais permite descobrir alguns aspectos fundamentais da origem do
povo israelita.
A Época dos Patriarcas
Os personagens do Antigo Testamento, habitualmente denominadas
“patriarcas”, eram chefes de grupos familiares seminômades que iam de um
lugar a outro em busca de comida e água para os seus rebanhos. Não
havendo chegado ainda à fase cultural do sedentarismo e dos trabalhos
agrícolas, os seus assentamentos eram, em geral, eventuais: duravam o
tempo em que os seus gados demoravam para consumir os pastos.
Gênesis oferece uma visão particular do começo da história de Israel,
que é mais propriamente a história de uma família. Procedentes da cidade
mesopotâmica de Ur dos caldeus, situada junto ao Eufrates, Abraão e a
sua esposa chegaram ao país de Canaã. Deus havia prometido a Abraão que
faria dele uma grande nação (Gn 12.1-3; cf. 15.1-21; 17.1-4); e,
conforme essa promessa, nasceu o seu filho Isaque, que, por sua vez, foi
o pai de Jacó. Durante a sua longa viagem, primeiro na direção norte e
depois na direção sul, Abraão deteve-se em diversos lugares mencionados
na Bíblia: Harã, Siquém, Ai e Betel (Gn 11.31—12.9); atravessou a região
desértica do Neguebe e chegou até o Egito, de onde, mais tarde,
regressou para, finalmente, estabelecer-se em um lugar conhecido como
“os carvalhais de Manre”, junto a Hebrom (Gn 13.1-3,18).
Ao morrer Abraão (Gn 25.7-11; cf. 23.2,17-20), Isaque converte-se no
protagonista do relato bíblico, que o apresenta como habitante de Gerar e
Berseba (Gn 26.6,23), lugares do Neguebe (Gn 24.62), na região
meridional da Palestina. Isaque, herdeiro das promessas de Deus a
Abraão, aparece no meio de um quadro descritivo da vida seminômade do
segundo milênio a.C.: busca de campos de pastoreio, assentamentos
provisórios, ocasionais trabalhos agrícolas nos limites de povoados
fronteiriços e discussões por causa dos poços de água onde se dava de
beber ao gado (Gn 26).
Depois de Isaque, a atenção do relato concentra-se nos conflitos
pessoais surgidos entre Jacó e o seu irmão Esaú, que são como que uma
visão antecipada dos graves problemas que, posteriormente, haveriam de
acontecer entre os israelitas, descendentes de Jacó, e os edomitas,
descendentes de Esaú. A história de Jacó é mais longa e complicada que
as anteriores. Consta de uma série de relatos entrelaçados: a fuga do
patriarca para a região mesopotâmica de Padã-Arã; a inteligência e a
riqueza de Jacó; o regresso a Canaã; o episódio de Peniel, onde Deus
mudou o nome de Jacó para Israel (Gn 32.28); a revelação de Deus e a
renovação das suas promessas (Gn 35.1-15); a história de José e a morte
de Jacó no Egito (Gn 37.1—50.14).
A Saída do Egito
A situação política e social das tribos israelitas, do Egito e dos
países do Oriente Médio, no período que vai da morte de José à época de
Moisés, sofreu mudanças consideráveis.
O Egito viveu um tempo de prosperidade depois de expulsar do país os
invasores hicsos. Este povo oriundo da Mesopotâmia, depois de passar por
Canaã, havia se apropriado, no início do séc. XVIII a.C., da fértil
região egípcia do delta do Nilo. Os hicsos dominaram no Egito cerca de
um século e meio, e, provavelmente, foi nesse tempo que Jacó se instalou
ali com toda a sua família. Esta poderia ser a explicação da acolhida
favorável que foi dispensada ao patriarca, e de que alguns dos seus
descendentes, como aconteceu com José (Gn 41.37-43), chegaram a ocupar
postos importantes no governo do país.
A situação mudou quando os hicsos foram finalmente expulsos do Egito. Os
estrangeiros residentes, entre os quais encontravam-se os israelitas,
foram submetidos a uma dura opressão. Essa mudança na situação política
está registrada em Êx 1.8, que diz que subiu ao trono do Egito um novo
rei “que não conhecera a José.” Durante o mandato daquele faraó, os
israelitas foram obrigados a trabalhar em condições subumanas na
edificação das cidades egípcias de Pitom e Ramessés (Êx 1.11). Porém, em
tais circunstâncias, teve lugar um acontecimento que haveria de
permanecer gravado, para sempre, nos anais de Israel: Deus levantou um
homem, Moisés, para constituí-lo libertador do seu povo.
Moisés, apesar de hebreu por nascimento, recebeu uma educação esmerada
na própria corte do faraó. Certo dia, Moisés viu-se obrigado a fugir
para o deserto, e ali Javé (nome explicado em Êx 3.14 como “EU SOU O QUE
SOU”) revelou-se a ele e lhe deu a missão de libertar os israelitas da
escravidão a que estavam submetidos no Egito (Êx 3.1—4.17). Regressou
Moisés ao Egito e, depois de vencer com palavras e ações maravilhosas a
resistência do faraó, conseguiu que a multidão dos israelitas se
colocasse em marcha em direção ao deserto do Sinai.
Esse capítulo da história de Israel, a libertação do jugo egípcio,
marcou indelevelmente a vida e a religião do povo. A data precisa desse
acontecimento não pode ser determinada. Têm-se sugerido duas
possibilidades: até meados do séc. XV e até meados do séc. XIII. (Neste
último caso seria durante o reinado de Ramsés II ou do seu filho
Meneptá.).
Durante os anos de permanência no deserto do Sinai, enquanto os
israelitas dirigiam-se para Canaã, produziu-se um acontecimento de
importância capital: Deus instituiu a sua Aliança com o seu povo
escolhido (Êx 19). Essa Aliança significou o estabelecimento de um
relacionamento singular entre Javé e Israel, com estipulações
fundamentais que ficaram fixadas na lei mosaica, cuja síntese é o
Decálogo (Êx 20.1-17).
A Conquista de Canaã e o Período dos Juízes
Depois da morte de Moisés (Dt 34), a direção do povo foi colocada nas
mãos de Josué, a quem coube guiá-lo ao país de Canaã, a Terra Prometida.
A entrada naqueles territórios iniciou-se com a passagem do Jordão,
fato de grande significação histórica, porque com ela inaugurava-se um
período decisivo para a constituição da futura nação israelita (Js 1—3).
Conquistar e assentar-se em Canaã não se tornou empresa fácil. Foi um
longo e duro processo (cf. Jz 1), às vezes, de avanço pacífico, mas, às
vezes, de inflamados choques com os hostis povos cananeus (cf. Jz 4—5),
formados por populações diferentes entre si, ainda que todas
pertencentes ao comum tronco semítico; muitas delas terminaram
absorvidas por Israel (cf. Js 9).
Naquele tempo da chegada e conquista de Canaã, os grandes impérios do
Egito e da Mesopotâmia já haviam iniciado a sua decadência. Destes eram
vassalos os pequenos Estados cananeus, de economia agrícola e cuja
administração política limitava-se, geralmente, a uma cidade de relativa
importância nos limites das suas terras. Em relação à religião,
caracterizava-se sobretudo pelos ritos em honra a Baal, Aserá e
Astarote, e a deuses secundários, geralmente divindades da fecundidade.
A etapa conhecida como “período dos juízes de Israel” sucedeu à morte de
Josué (Js 24.29-32). Desenvolveu-se entre os anos 1200 e 1050 a.C., e a
sua característica mais evidente foi, talvez, a distribuição dos
israelitas em grupos tribais, mais ou menos independentes e sem um
governo central que lhes desse um mínimo sentido de organização
política. Naquelas circunstâncias surgiram alguns personagens que
assumiram a direção de Israel e que, ocasionalmente, atuaram como
estrategistas e o guiaram nas suas ações de guerra (ver, p. ex., em Jz
5, o Cântico de Débora, que celebra o triunfo de grupos israelitas
aliados contra as forças cananéias).
Entre todos os povos vizinhos, foram, provavelmente, os filisteus que
representaram para Israel a mais grave ameaça. Procedentes de Creta e de
outras ilhas do Mediterrâneo oriental, os filisteus, conhecidos também
como “os povos do mar”, que primeiramente haviam intentado sem êxito
penetrar no Egito, apoderaram-se depois (por volta de 1175 a.C.) das
planícies costeiras da Palestina meridional. Ali estabeleceram-se e
constituíram a “Pentápolis”, o grupo das cinco cidades filistéias:
Asdode, Gaza, Asquelom, Gate e Ecrom (1Sm 6.17), cujo poder reforçou-se
com a sua aliança e também com o monopólio da manufatura do ferro,
utilizado tanto nos seus trabalhos agrícolas quanto nas suas ações
militares (1Sm 13.19-22).
O Início da Monarquia de Israel
A figura política dos “juízes”, apta para resolver assuntos de caráter
tribal, mostrou-se ineficaz ante os problemas que, mais tarde, haveriam
de ameaçar a sobrevivência do conjunto de Israel no mundo palestino.
Assim, pouco a pouco, veio a implantação da monarquia e, com ela, uma
forma de governo unificado, dotado da autoridade necessária para manter
uma administração nacional estável.
Ainda que a monarquia tenha enfrentado, no início, fortes resistências
internas (1Sm 8), paulatinamente chegou a impor-se e consolidar-se.
Samuel, o último dos juízes de Israel, foi sucedido por Saul, que em
1040 a.C. iniciou o período da monarquia, que se prolongou até 586 a.C.,
quando, durante o reinado de Zedequias, os babilônios sitiaram e
destruíram Jerusalém, tendo Nabucodonosor à frente. Saul, que começou a
reinar depois de ter obtido uma vitória militar (1Sm 11) e de ter
triunfado em outras ocasiões, todavia, nunca conseguiu acabar com os
filisteus, e foi lutando contra eles no monte Gilboa que morreram os
seus três filhos e ele próprio (1Sm 31.1-6).
Saul foi sucedido por Davi, proclamado rei pelos homens de Judá na
cidade de Hebrom (2Sm 2.4-5). O seu reinado iniciou-se, pois, na região
meridional da Palestina, mas depois estendeu-se em direção ao norte.
Reconhecido como rei por todas as tribos israelitas, conseguiu
unificá-las sob o seu governo. Durante o tempo em que Davi viveu,
produziram-se acontecimentos de grande importância: a anexação à nova
entidade nacional de algumas cidades cananéias antes independentes, a
submissão de povos vizinhos e a conquista de Jerusalém, convertida desde
então na capital do reino e centro religioso por excelência.
Próximo já da sua morte, Davi designou por sucessor o seu filho Salomão,
sob cujo governo alcançou o reino as mais altas cotas de esplendor.
Salomão soube estabelecer importantes relacionamentos políticos e
comerciais, geradores de grandes benefícios para Israel. As riquezas
acumuladas sob o seu governo permitiram realizar em Jerusalém
construções de enorme envergadura, como o Templo e o palácio real. O
prestígio de Salomão fez-se proverbial, e a fama da sua prudência e
sabedoria nunca tiveram paralelo na história dos reis de Israel (1Rs
5—10).
A Ruptura da Unidade Nacional
A despeito de todas as circunstâncias favoráveis que rodearam o reinado
de Salomão, foi precisamente aí que a unidade do reino começou a
fender-se. Por um e outro lado do país, surgiam vozes de protesto pelos
abusos de autoridade, pelos maus tratos infligidos à classe trabalhadora
e pelo agravamento dos tributos destinados a cobrir os gastos que
originavam as grandes construções. Tudo isso, fomentando atitudes de
descontentamento e rebeldia, foi causa do ressurgimento de antigas
rivalidades entre as tribos do Norte e do Sul.
Os problemas chegaram ao extremo quando, morto Salomão, ocupou o trono o
seu filho Roboão (1Rs 12.1-24). Sem a sensatez do seu pai, Roboão
provocou, com imprudentes atitudes pessoais, a ruptura do reino: de um
lado, a tribo de Judá, que seguiu fiel a Roboão e manteve a capital em
Jerusalém; de outro, as tribos do Norte, que proclamaram rei a Jeroboão,
antigo funcionário da corte de Salomão. Desde esse momento, a divisão
da nação em reino do Norte e reino do Sul se fez inevitável.
Mais estudos bíblicos...
Judá, sempre governada por um membro da dinastia davídica, subsistiu por
mais de trezentos anos, ainda que a sua independência nacional tivesse
sofrido importantes oscilações desde que, no final do séc. VIII a.C., a
Assíria a submeteu a uma dura vassalagem. Aquele antigo império dominou a
Palestina até que medos e caldeus, já próximo do séc. VI a.C.,
apagaram-na do panorama da história (Na 1—3). Então, em Judá, onde
reinava Josias, renasceram as esperanças de recuperar a perdida
independência; mas, depois da batalha de Megido (609 a.C.), com a
derrota de Judá e a morte de Josias (2Cr 35.20-24), o reino entrou em
uma rápida decadência, que terminou com a destruição de Jerusalém em 586
a.C. O Templo e toda a capital foram arrasados, um número grande dos
seus habitantes foi levado ao exílio, e a dinastia davídica chegou ao
seu fim (2Rs 25.1-21). Ao que parece, a perda da independência de Judá
supôs a sua incorporação à província babilônica de Samaria; mas, além
disso, o país havia ficado arruinado, primeiro pela devastação que
causaram os invasores e em seguida pelos saques a que o submeteram os
seus povos vizinhos, Edom (Ob 11), Amom e outros (Ez 25.1-4).
O reino do Norte, Israel, nunca chegou a gozar uma situação
politicamente estável. A sua capital mudou de lugar em diversas
ocasiões, antes de ficar finalmente instalada na cidade de Samaria (1Rs
16.24), e várias tentativas para constituir dinastias duradouras
terminaram em fracasso, freqüentemente de modo violento (Os 8.4). A
aniquilação do reino do Norte sob a dominação assíria ocorreu
gradualmente: primeiro foi a imposição de um grande tributo (2Rs
15.19-20); em seguida, a conquista de algumas povoações e a conseqüente
redução das fronteiras do reino e, por último, a destruição de Samaria, o
exílio de uma parte da população e a instalação de um governo
estrangeiro no país conquistado.
O Exílio
Os babilônios permitiram que os exilados do reino de Judá formassem
famílias, construíssem casas, cultivassem pomares (Jr 29.5-7) e
chegassem a consultar os seus próprios chefes e anciãos (Ez 20.1-44); e,
igualmente, permitiram-lhes viver em comunidade, em um lugar chamado
Tel-Abibe, às margens do rio Quebar (Ez 3.15). Assim, pouco a pouco,
foram-se habituando à sua situação de exilados na Babilônia.
Em semelhantes circunstâncias, a participação comum nas práticas da
religião foi, provavelmente, o vínculo mais forte de união entre os
membros da comunidade exilada; e a instituição da sinagoga teve um papel
relevante como ponto de encontro para a oração, a leitura e o
ensinamento da Lei, o canto dos Salmos e o comentário dos escritos dos
profetas.
Desta maneira, com o exílio, a Babilônia converteu-se num centro de
atividade religiosa, onde um grupo de sacerdotes entregou-se com empenho
à tarefa de reunir e preservar os textos sagrados que constituíam o
patrimônio espiritual de Israel. Entre os componentes desse grupo se
contava Ezequiel, que, na sua dupla condição de sacerdote e profeta (Ez
1.1-3; 2.1-5), exerceu uma influência singular.
Dadas as condições de tolerância e até de bem-estar em que viviam os
exilados na Babilônia, não é de estranhar que muitos deles renunciassem,
no seu tempo, regressar ao seu país. Outros, pelo contrário, mantendo
vivo o ressentimento contra a nação que os havia arrancado da sua pátria
e que era causa dos males que lhes haviam sobrevindo, suspiravam pelo
momento do regresso ao seu longínquo país (Sl 137; Is 47.1-3).
Retorno e Restauração
A esperança de uma rápida libertação cresceu entre os exilados quando
Ciro, rei de Anshan, empreendeu a sua carreira de conquistador e
fundador de um novo império. Elevado já ao trono da Pérsia (559-530
a.C.), as suas qualidades de estrategista e de político permitiram-lhe
superar rapidamente três etapas decisivas: primeiro, a fundação do reino
medo-persa, com a sua capital Ecbatana (553 a.C.); segundo, a conquista
de quase toda a Ásia Menor, culminada com a vitória sobre o rei de
Lídia (546 a.C.); terceiro, a entrada triunfal na Babilônia (539 a.C.).
Desse modo, ficou configurado o império persa, que, durante mais de dois
séculos, dominou o panorama político do Oriente Médio.
Ciro praticou uma política de bom relacionamento com os povos
submetidos. Permitiu que cada um conservasse os seus usos, costumes e
tradições e que praticasse a sua própria religião, atitude que redundou
em benefício aos judeus residentes na Babilônia, os quais, por decreto
real, ficaram com a liberdade de regressar à Palestina.
O livro de Esdras contém duas versões do referido decreto (Ed 1.2-4 e
6.3-12), no qual se ampararam os exilados que quiseram voltar à pátria. E
é importante assinalar que o imperador persa não somente permitiu
aquele regresso, mas também devolveu aos judeus os ricos utensílios do
culto que Nabucodonosor lhes havia arrebatado e levado à Babilônia. Para
maior abundância, Ciro ordenou também uma contribuição de caráter
oficial para apoiar economicamente a reconstrução do templo de
Jerusalém.
O retorno dos exilados realizou-se de forma paulatina, por grupos, o
primeiro dos quais chegou a Jerusalém sob a liderança de Sesbazar (Ed
1.11). Tempos depois iniciaram-se as obras de reconstrução do Templo,
que se prolongaram até 515 a.C. Para dirigir o trabalho e animar os
operários contribuíram o governador Zorobabel e o sumo sacerdote Josué,
apoiados pelos profetas Ageu e Zacarias (Ed 5.1).
O passar do tempo deu lugar a muitos problemas de índole muito diversa.
As duras dificuldades econômicas às quais tiveram que fazer frente, as
divisões no seio da comunidade e, muito particularmente, as atitudes
hostis dos samaritanos foram causa da degradação da convivência entre os
repatriados em Jerusalém e em todo Judá.
Ao conhecer os problemas que afligiam o seu povo, um judeu chamado
Neemias, residente na cidade de Susã, copeiro do rei persa Artaxerxes
(Ne 2.1), solicitou que, com o título de governador de Judá, tivesse a
permissão de ajudar o seu povo (445 a.C.). Neemias revelou-se um grande
reformador, que atuou com capacidade e eficácia. A sua presença na
Palestina foi decisiva, não somente para que se reconstruíssem os muros
de Jerusalém, mas também para que a vida da comunidade judaica
experimentasse uma mudança profunda e positiva (cf. Ne 8—10).
Artaxerxes investiu, também de poderes extraordinários, ao sacerdote e
escriba Esdras, a fim de que este, dotado de plena autoridade, se
ocupasse de todas as necessidades do Templo e do culto em Jerusalém e
cuidasse de colocar sob a lei de Deus tanto os judeus recém-repatriados
como os que nunca haviam saído da Palestina (Ed 7.12-26). Entre eles,
promoveu Esdras uma mudança religiosa e moral tão profunda, que, a
partir de então, Israel converteu-se no “povo do Livro”. A sua figura
ocupa nas tradições judaicas um lugar comparável ao de Moisés. Com
relação às referências a Artaxerxes no livro de Esdras (7.7) e no de
Neemias (2.1), se correspondem a um só personagem ou a dois, os
historiadores não têm chegado a uma conclusão definitiva.
O Período Helenístico
O domínio persa no Oriente Médio chegou ao seu fim quando o exército de
Dario III sucumbiu em Isso (333 a.C.) ante as forças de Alexandre Magno
(356-323 a.C.). Ali começou a hegemonia do helenismo, que se manteve até
63 a.C. e que entre os seus sucessos contou com o estabelecimento de
importantes vínculos entre Oriente e Ocidente. Mas as rivalidades
surgidas entre os sucessores de Alexandre (os Diádocos) impediram o
estabelecimento de uma unidade política eficaz nos territórios que ele
havia conquistado. De tais divisões originou-se, com referência à
Palestina, a que fora dominada primeiro pelos ptolomeus (ou lágidas) do
Egito e depois pelos selêucidas da Síria, duas das dinastias fundadas
pelos generais sucessores de Alexandre.
Durante a época helenística estendeu-se consideravelmente o uso do
grego, e muitos judeus residentes na “diáspora” (ou “dispersão”)
habituaram-se a utilizá-lo como língua própria. Chegou um momento em que
se fez necessário traduzir a Bíblia Hebraica para atender às
necessidades religiosas das colônias judaicas de fala grega. Essa
tradução, chamada de Septuaginta ou Versão dos Setenta, foi feita
aproximadamente entre os anos 250 e 150 a.C.
Durante o reinado do selêucida Antíoco IV Epífanes (175-163 a.C.),
produziu-se na Palestina um intento de helenização do povo judeu, que
causou entre os seus membros uma grave dissensão. Muitos adotaram
abertamente costumes próprios da cultura grega, divergentes das práticas
judaicas tradicionais, enquanto que outros se agarraram com tenaz
fanatismo à lei mosaica. A tensão entre eles foi crescendo até
desembocar na rebelião dos macabeus.
Essa rebelião desencadeou-se quando um ancião sacerdote chamado Matatias
e os seus cinco filhos organizaram a luta contra o exército sírio.
Depois da morte de Matatias, Judas, o seu terceiro filho, ficou à frente
da resistência e, chefiando os seus, reconquistou o templo de
Jerusalém, que havia sido profanado pelos sírios, e o purificou e o
dedicou. A Hannuká ou Festa da Dedicação (Jo 10.22) comemora esse fato.
Convertido em herói nacional, Judas foi o primeiro a receber o sobrenome
de “macabeu” (provavelmente “martelo”), que depois foi dado também aos
seus irmãos.
Depois da morte de Simão, o último dos macabeus, a sucessão recaiu sobre
o seu filho João Hircano I (134-104 a.C.), com quem teve início a
dinastia hasmonéia. Ainda viveu a Judéia alguns dias de esplendor, mas,
em geral, durante o governo dos hasmoneus, a estabilidade política
deteriorou-se progressivamente. Mais tarde, entrou em jogo o Império Romano,
e, no ano 63 a.C., o general Pompeu conquistou Jerusalém e a anexou,
com toda a Palestina, à que já era oficialmente província da Síria. A
partir desse momento, a própria vida religiosa judaica ficou hipotecada,
dirigida aparentemente pelo sumo sacerdote em exercício, mas submetida,
em última instância, à autoridade imperial.
Estudos do Antigo Testamento
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